quarta-feira, 9 de outubro de 2013

Por favor, aceite esta manga



Estávamos namorando havia 8 meses e meu aniversário se aproximava. Nunca gostei de aniversários, porque sempre, em algum momento do dia, eu me sinto frustrada. A fonte maior da minha frustração não é a passagem dos anos, mas sim os malditos presentes que, em sua maioria, são a demonstração perfeita do quão pouco as pessoas te conhecem ou se importam contigo. Poderia abrir uma loja com as tralhas que ganhei ao longo dos anos. Perfumes com cheiro de lavanda que até a minha avó acha “coisa de velho”, brincos de frutas e outras bizarrices que só a Carmen Miranda poderia usar, caixinhas de música, porta-joias e outras breguices que não valem o espaço que ocupam, entre muitos outros.
Porém, todavia, entretanto, este ano eu tinha o Tiago e a verdade é que estava ansiosa para ver qual presente eu ganharia daquele que me fazia juras de amor diariamente. “Ele, certamente, deve se importar”, pensei. E decidi que me permitiria, mais uma vez, criar expectativas para um aniversário.
Pois bem, eis que no dia 1º de fevereiro, o dia do meu aniversário, daquele ano de 2011, eu acordo lá pelas 11h da manhã e me descubro sozinha em casa. Sento na cama, me espreguiço, e, quando olho em volta, noto uma coisinha diferente em cima do criado mudo. Tinha o formato de um quadrado e era de papel preto, com um laço de cetim cinza ao redor. Se isso me dizia alguma coisa, era que o que quer que houvesse dentro daquela caixinha, havia custado ao comprador uma boa quantia de dinheiro. “Bom começo”, pensei.
Com agitação e delicadeza ao mesmo tempo, desfaço o nó que sela a embalagem e abro meu presente de olhos fechados. Com os dedos, vou sentindo seu formato. Tateio algo frio, metálico, fino e longo. “É um colar”, penso, “mas onde está o pingente?”. Sigo o fio até o meio onde encontro o monstro. Abro os olhos em pânico e comprovo o que minhas mãos haviam antecipado.
Tinha orelhas!!! O meu pingente tinha orelhas. E elas eram enormes! E não só isso, tinha olhos... verdes, que pareciam ser de alguma pedra que mudava a cor e me dava um susto cada vez que eu o olhava. O bicho devia ter uns 10 centímetros e era todo dourado. “Só pode ser castigo!” “Será que ele descobriu alguma coisa do meu passado?” “Será uma piada?” “Tem que ser uma piada”.
Meu namorado me havia dado um colar de elefante. Toda a espera, os olhos brilhando, a expectativa de que meu destino finalmente mudasse depois que eu havia encontrado alguém que me amava, tudo foi por água à baixo. Estava desolada e só me restava esperar até que ele chegasse para, então, confrontá-lo.
Quando ele chegou, eu estava dormindo, tirando uma soneca. Ele me acorda todo sorridente, com beijos e abraços e pergunta: E aí? Gostou do presente?. A raiva já havia passado em parte e, naquele momento, cruzei as mãos como que pedindo ao Senhor, em quem nem acredito, por uma iluminação.
Err, a tromba é bonitinha, né? E aí ele começou: ah, o elefante, na cultura hindu, simboliza a tranquilidade e a força. “Tranquilidade e força, eu??”, pensei, mais confusa que indignada. E ele continuou: acho que tem tudo a ver contigo! Retruquei, ainda sem acreditar no que estava acontecendo: Nossa, você me conhece mesmo, hein!? He-he-he.
O que eu podia fazer? A porcaria do elefante era um presente, mas a vontade que eu tinha era de ter respondido depois de e aí? Gostou?, algo como seu filho de uma grande puta, tu tá tirando com a minha cara?! Tu não conhece nada sobre mim?! Já me viu usando algum penduricalho de perua no pescoço? E, depois de o elefante simboliza força e tranquilidade para a cultura hindu queria ter dito algo como não dou a mínima pra cultura hindu! Sou ateia e você sabe muito bem. Fodam-se os elefantes! Que vão ser calmos assim no inferno!
Mas eu não disse. Claro que não. Pelo contrário, usei a escultura do Belzebu ao redor do pescoço por alguns meses sempre que saía com o então namorado, porque presente parece ter sido feito para ser gostado, feio ou bonito, barato ou caro . Eu não conheço ninguém que diga o que realmente pensa de um presente na cara da pessoa.
        No aniversário dele, dois meses depois, eu lhe dei um urso de pelúcia gigante, horrível. Ele não disse nada, claro, mas vi o brilho em seu olhar se apagar como havia acontecido comigo. Missão cumprida. “A Expectativa morreu, senhoras e senhores. Chorem agora e poupem as lágrimas do futuro”.
No ano seguinte, entretanto, a história se repetiria: o Otimismo, aquele cretino, ressuscitaria a Expectativa e, juntos, gerariam lindas Frustrações em formas de elefantes, frutas, lavanda, meias, rosas amarelas, anjos de porcelana, porta-retratos...

terça-feira, 8 de outubro de 2013

Quando vi minha mãe pela primeira vez


A porta do banheiro aberta pela vigésima vez. “Fecha essa porta, mãe”,  dizia a minha irmã, atordoada pela visão daquele corpo em uma situação vulnerável e rasteira, mas ela não dava bola. “Os incomodados que olhem para o outro lado”, respondia rindo. E era o que eu fazia, sem dificuldade. De fato, qualquer imagem muito concreta da minha mãe, como a cena no vaso, no banho, ou trocando de roupa, sempre me causou certa repulsa, como se eu negasse certas coisas a respeito de quem ela era.
Ora, minha mãe era minha mãe, era aquele ser (nem mesmo mulher, porque nunca a vi com nenhum homem) de idade indefinida, e de características mutantes: às vezes doce, quando sorrindo, às vezes amarga, quando fofocando, às vezes assustadora quando crente fervorosa e às vezes incrivelmente indefesa, como quando chorava pela morte de seu pai, mas minha mãe não era, de jeito nenhum, gostosa ou baranga, peituda ou bunduda, não era peluda ou depilada, pelo menos não pra mim.
Mesmo convivendo com ela diariamente, a mãe-ideia não passava disso: uma ideia, um conceito que eu formei e que alterava quando me era conveniente.
Em 2011, fui para a Argentina e por dois anos não vi minha mãe. Seu conceito já se havia transformado incontáveis vezes, passando de anjo a Deus, de fonte da minha força, quando me mandava dinheiro, à criatura inexistente, quando era incomodo demais pensar na família que estava distante;
Quando voltei a Porto Alegre, em 2013, levei um choque. No nosso reencontro no aeroporto eu não consegui pensar em nada a não ser “como ela está velha”. O tempo havia passado e, de fato, a diferença era notável. Não disse nada, obviamente, mas em minha cabeça o pensamento nefasto continuava: olhe essas bochechas! Quando foi que ficaram assim tão grandes, tão murchas e tão caídas? E esse cabelo? Quando foi que ficou assim tão escasso? E esses lábios? Quando ficaram assim tão finos?
No caminho do aeroporto pra casa fui descobrindo uma nova Iolanda. Uma mulher de 52 anos, na menopausa, uma mulher que, conforme ficaria sabendo mais tarde, tinha osteoporose e tomava três tipos de medicamentos diferentes por dia. Involuntariamente, segui reparando naquele corpo.
Em seus olhos, descobri um tom de cinza pavoroso e, em suas mãos, um azul sombrio das veias sobressalentes. Na barriga que antes não existia, agora havia excesso de gordura e a pele, antes invisível, agora apresentava exuberantes sinais ressecamento, encolhimento e distorções medonhas. Minha mãe era uma pessoa velha. Mas antes de velha, ela era uma pessoa.
Depois do primeiro momento de nojo, raiva e indignação, me dei conta de que, finalmente, eu havia substituído aquela mãe-ideia, aquele conceito cheio de falhas e pontos cegos que eu tinha dela, por uma mãe orgânica, mortal, real e viva naquele momento, naquele instante e só o que me restou foi abraça-la, abraçar a minha mãe metafórica e literalmente, com toda sua fragilidade e decadência e esperar que alguém fizesse o mesmo comigo quando chegasse a minha vez. Sem mistificações e sem idolatrias. Como se é, com porta aberta e tudo.



Allegro ma non troppo, un poco maestoso*

     Um dos momentos mais emocionantes da minha vida aconteceu alguns anos atrás, no belíssimo teatro São Pedro, em Porto Alegre. Depois de anos de aulas de piano e de muita música clássica, eu finalmente veria uma orquestra ao vivo. E não só isso: eles iriam tocar aquela que foi o meu hino de resistência por muito tempo: a nona de Beethoven.
A música era tocada sempre que pais, professores, e outras figuras de autoridade diziam coisas como “você não pode”, “você não deve”, “Jesus não gosta” ou quando quer que estivesse precisando escapar do tédio do cotidiano. Uma hora e dez minutos daqueles golpes de instrumentos, em especial dos violinos, me transportavam para um mundo bem distante daqui, onde nada era morno, as coisas tinham sentido e a fome de viver era como a que se tem quando sabemos que no dia seguinte é feriado.
    A excitação em ver os músicos entrando ao palco e afinando seus instrumentos antes de começarem a obra, me fez sentir como uma criança de novo: meus olhinhos brilhavam e eu dizia para a minha irmã que estava ao meu lado coisas como: “olha, olha! O de cabelo branco é o maestro!” “Olha o tamanho daquele violoncelo!” “Quem será que é o primeiro violinista?” – a ansiedade era indisfarçável. Sentei na pontinha da cadeira não muito confortável do teatro e tentei me preparar para o que estava por vir.
    Senti o primeiro movimento como senti minha infância: por vezes calma e bonita, mas sempre cercada de momentos assustadores, monstros, superstições, milagres e histeria. O segundo me fez lembrar a Priscila pré-adolescente: confiante, petulante, irritável, caprichosa, mandona, e, para a maioria, desagradável.
    O terceiro movimento me levou de volta aos 16 anos, aos livros de filosofia, à depressão, ao isolamento, à solidão e à melancolia. Lembrou-me também das coisas bonitas, mas exigentes, como meu jardim de rosas que quis começar várias vezes, mas nunca consegui terminar.
Já no quarto eu não pude pensar em nada, consegui apenas sentir e era tudo tão forte quanto um soco no estômago. Senti que estava no céu, que Deus existia e que eu era sua profetisa. Senti como se estivesse junto a três mil anjos que cantavam: “não há mais medo, você é imortal, o universo se importa com você”. Nesse momento, dei o meu primeiro grito interno (algo como um grito externo, mas tão agudo que o ouvido humano não escuta).
E depois chorei. E ri. E chorei mais um pouco, mas com vontade, como quem sabe que tem o direito de chorar, com aceitação plena.
Ao sair do teatro, pensei: “quero que a minha vida termine como terminou essa sinfonia... Quero o meu quarto movimento”. E algo me dizia que eu mesma poderia reger os primeiros compassos. Como?  Aceitando. Poderia começar por aceitar que não sou uma gênia, que não sou artista e que, definitivamente, não sou perfeita. E, mesmo assim, escrever, mesmo assim protestar, mesmo assim querer ser mãe. Não é fácil, mas algo me diz que quando se entra nesse estado de afirmação e não de negação, não se quer sair mais. Assim como não queria sair do teatro aquele dia.


*Allegro ma non troppo, un poco maestoso: literalmente, “alegre, mas não muito, um pouco majestoso”. Define o modo de ser interpretado o primeiro movimento da nona sinfonia de Beethoven.

domingo, 5 de dezembro de 2010

Há algum tempo, havia um Homem e uma Mulher.
O homem se achava eterno; eterno de tanta responsabilidade e compromisso; eterno de tanto desejo de eternidade. Ele e a Mulher: eternos conceitos amorfos, perfeitos e imortais.

A mulher queria morrer à noite e ressuscitar alguém diferente a cada manhã; e ela conseguia. Ela também desejava; era viciada em desejo, aliás (de outros por ela e vice-versa). Apaixonava-se e desapaixonava-se ao mesmo tempo, de tão rápidos que eram seus ciclos. Ela rescendia, imaginava, a qualquer coisa intensa demais para ser eterna.

Sem surpresas, esse homem e essa mulher seguiram caminhos opostos: ele com sua missão e seu compromisso com a História, a Humanidade e outras entidades inexistentes; ela com a sua de ser ferida aberta em corpos mortais, desejosos e reais.

Um dia envelheceram e perderam a seriedade (cá entre nós, nada menos que ridícula) que tinham no passado. Nesses dias, desenterraram coisas antigas que lhes poderiam causar algum tipo de felicidade. Ela achou um anel; ele, um CD. Assim, sentiram de novo - dessa vez com serenidade e olhos fechados - a Eternidade (que a Mulher, agora não tão bela e não tão fútil, ansiava mais do que nunca), e a Vida (que fez o homem se sentir finalmente pronto para morrer).

Alma

Há pouco tempo descobri que tenho uma alma.
A alma, para quem não sabe, é aquela coisa úmida e escura que fica 1)nos olhos, 2)garganta, 3)estômago ou 4)pele.
Minha alma não vive muito nos olhos – eles raramente estão úmidos. Nos outros lugares – 2 e 3 -, entretanto, vivo sentindo qualquer coisa assustadora - às vezes vermelha, às vezes preta e às vezes branca - tentando se mover sem direção alguma, causando uma revolução frustrada (ou não - gastrite que o diga) a cada passeata.
Na número quatro, a pele, a alma está sempre de bom humor; são sempre calafrios, arrepios ou suores. Uma brisa, uma música e uma pessoa (não necessariamente nesta ordem), sem esforços, me proporcionam tais fenômenos. (Como ontem, quando ouvia Nouvelle Vague na sacada alta de um prédio, com um rapaz a me pedir uma dança).

E assim a alma corre em mim: pelos olhos (porque há beleza para que ela persiga), pela garganta e estômago (porque ela me quer viva e alerta) e pela pele (porque às vezes vivo e enxergo a Beleza; e ela tem mãos).


PS: Preciso fazer uma pequena, mas importante, correção: a ‘alma’ da qual falei até agora, é nome próprio: é Alma. E ela é minha; você, com certeza, não a tem.

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

terça-feira, 30 de novembro de 2010

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

É cedo. O dia de ontem parece não ter terminado; a noite, sim; o dia, não.
Ouço versões bossa novísticas de rocks depressivos (tipico); tenho bastante certeza de que o medo de 'ser depressiva' me deprimiu mais do que qualquer coisa outra coisa nessa vida; que azar.
Sinto que desaponto a espécie sendo um organismo assim - do tipo que se preocupa em desapontar a espécie, Darwin, ou os pais mesmo.
...
Percebo hoje que aquele Deus da minha infância nunca morreu, ainda que eu tenha tido minha devida dose de "Nietzsche Para a Juventude"(a qual era altamente disputada nas drogarias/livrarias por sofredores, covardes, crianças, loucos e velhacos). Não; aparentemente, ele vive através de cada gota de suor (por culpa ou medo) que sorvo a cada minuto.

Porém... Poréém, estou 'na TPM'. E hoje mato qualquer um; e vou começar por esse Deus e esse Nietzsche que, por algum insano motivo, acharam que a perfeição era possível; que o "decadente" (ou o "pecador") EXISTIAM E AINDA TINHAM REDENÇÃO!

Morram os dois; porque eu quero viver!

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Harmonia

Harmonia para mim, agora, consiste nas seguintes coisas:

- Duas paixões.
- Poesia.
- Água.
- Cheiro bom.
- Música francesa.
- Sorriso torto.

E só.

sábado, 6 de novembro de 2010

É mais fácil escrever com Coralie Clément que com April March, mas April March é mais divertida; angustiazinha boa...

"Bye-bye".
Mártires não recebem convites (ao menos não para festas).

Já reparou?

quarta-feira, 5 de maio de 2010

A nitidez é inatingível.

Somos todos cegos em eterno desacordo sobre o tom de um amarelo qualquer.
Sou quase patologicamente curiosa.
Meu importar não é nobre.

(Será que um dia o "nobre" vai ser condizente com uma coerência egoísta?)
De tanto pensar, fiquei muda.

O que concluir quando tudo que ouço é barulho?

Deveria eu ter voz?