domingo, 5 de dezembro de 2010

Há algum tempo, havia um Homem e uma Mulher.
O homem se achava eterno; eterno de tanta responsabilidade e compromisso; eterno de tanto desejo de eternidade. Ele e a Mulher: eternos conceitos amorfos, perfeitos e imortais.

A mulher queria morrer à noite e ressuscitar alguém diferente a cada manhã; e ela conseguia. Ela também desejava; era viciada em desejo, aliás (de outros por ela e vice-versa). Apaixonava-se e desapaixonava-se ao mesmo tempo, de tão rápidos que eram seus ciclos. Ela rescendia, imaginava, a qualquer coisa intensa demais para ser eterna.

Sem surpresas, esse homem e essa mulher seguiram caminhos opostos: ele com sua missão e seu compromisso com a História, a Humanidade e outras entidades inexistentes; ela com a sua de ser ferida aberta em corpos mortais, desejosos e reais.

Um dia envelheceram e perderam a seriedade (cá entre nós, nada menos que ridícula) que tinham no passado. Nesses dias, desenterraram coisas antigas que lhes poderiam causar algum tipo de felicidade. Ela achou um anel; ele, um CD. Assim, sentiram de novo - dessa vez com serenidade e olhos fechados - a Eternidade (que a Mulher, agora não tão bela e não tão fútil, ansiava mais do que nunca), e a Vida (que fez o homem se sentir finalmente pronto para morrer).

Alma

Há pouco tempo descobri que tenho uma alma.
A alma, para quem não sabe, é aquela coisa úmida e escura que fica 1)nos olhos, 2)garganta, 3)estômago ou 4)pele.
Minha alma não vive muito nos olhos – eles raramente estão úmidos. Nos outros lugares – 2 e 3 -, entretanto, vivo sentindo qualquer coisa assustadora - às vezes vermelha, às vezes preta e às vezes branca - tentando se mover sem direção alguma, causando uma revolução frustrada (ou não - gastrite que o diga) a cada passeata.
Na número quatro, a pele, a alma está sempre de bom humor; são sempre calafrios, arrepios ou suores. Uma brisa, uma música e uma pessoa (não necessariamente nesta ordem), sem esforços, me proporcionam tais fenômenos. (Como ontem, quando ouvia Nouvelle Vague na sacada alta de um prédio, com um rapaz a me pedir uma dança).

E assim a alma corre em mim: pelos olhos (porque há beleza para que ela persiga), pela garganta e estômago (porque ela me quer viva e alerta) e pela pele (porque às vezes vivo e enxergo a Beleza; e ela tem mãos).


PS: Preciso fazer uma pequena, mas importante, correção: a ‘alma’ da qual falei até agora, é nome próprio: é Alma. E ela é minha; você, com certeza, não a tem.

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010