A porta do
banheiro aberta pela vigésima vez. “Fecha essa porta, mãe”, dizia a minha irmã, atordoada pela visão
daquele corpo em uma situação vulnerável e rasteira, mas ela não dava bola. “Os
incomodados que olhem para o outro lado”, respondia rindo. E era o que eu
fazia, sem dificuldade. De fato, qualquer imagem muito concreta da minha mãe,
como a cena no vaso, no banho, ou trocando de roupa, sempre me causou certa
repulsa, como se eu negasse certas coisas a respeito de quem ela era.
Ora, minha mãe
era minha mãe, era aquele ser (nem mesmo mulher, porque nunca a vi com nenhum homem)
de idade indefinida, e de características mutantes: às vezes doce, quando
sorrindo, às vezes amarga, quando fofocando, às vezes assustadora quando crente
fervorosa e às vezes incrivelmente indefesa, como quando chorava pela morte de seu
pai, mas minha mãe não era, de jeito nenhum, gostosa ou baranga, peituda ou
bunduda, não era peluda ou depilada, pelo menos não pra mim.
Mesmo
convivendo com ela diariamente, a mãe-ideia não passava disso: uma ideia, um
conceito que eu formei e que alterava quando me era conveniente.
Em 2011, fui para a Argentina e por dois anos não
vi minha mãe. Seu conceito já se havia transformado incontáveis vezes, passando
de anjo a Deus, de fonte da minha força, quando me mandava dinheiro, à criatura
inexistente, quando era incomodo demais pensar na família que estava distante;
Quando voltei a
Porto Alegre, em 2013, levei um choque. No nosso reencontro no aeroporto eu não
consegui pensar em nada a não ser “como ela está velha”. O tempo havia passado
e, de fato, a diferença era notável. Não disse nada, obviamente, mas em minha
cabeça o pensamento nefasto continuava: olhe essas bochechas! Quando foi que
ficaram assim tão grandes, tão murchas e tão caídas? E esse cabelo? Quando foi
que ficou assim tão escasso? E esses lábios? Quando ficaram assim tão finos?
No caminho do
aeroporto pra casa fui descobrindo uma nova Iolanda. Uma mulher de 52 anos, na
menopausa, uma mulher que, conforme ficaria sabendo mais tarde, tinha
osteoporose e tomava três tipos de medicamentos diferentes por dia. Involuntariamente,
segui reparando naquele corpo.
Em seus olhos,
descobri um tom de cinza pavoroso e, em suas mãos, um azul sombrio das veias
sobressalentes. Na barriga que antes não existia, agora havia excesso de
gordura e a pele, antes invisível, agora apresentava exuberantes sinais
ressecamento, encolhimento e distorções medonhas. Minha mãe era uma pessoa
velha. Mas antes de velha, ela era uma pessoa.
Depois do
primeiro momento de nojo, raiva e indignação, me dei conta de que, finalmente,
eu havia substituído aquela mãe-ideia, aquele conceito cheio de falhas e pontos
cegos que eu tinha dela, por uma mãe orgânica,
mortal, real e viva naquele momento, naquele instante e só o que me restou foi abraça-la,
abraçar a minha mãe metafórica e literalmente, com toda sua fragilidade e
decadência e esperar que alguém fizesse o mesmo comigo quando chegasse a minha
vez. Sem mistificações e sem idolatrias. Como se é, com porta aberta e tudo.
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